sexta-feira, 15 de abril de 2011

BENDITO CÂNCER QUE ME ACOMPANHA


                  PARTE II


“Meu câncer é meu vizinho”.

Não. Esta frase não é minha. Peguei emprestado de David Servan, que, em entrevista a uma revista, assim explicou sua relação com a doença. A revista é de 2008, por isso não sei de sua condição hoje. Mas o fato é que sua entrevista mostrava uma relação com a doença parecida com a que eu mantenho. Nossas experiências se assemelham tanto no que se refere ao tipo da doença quanto ao modo se conviver com ela.

Ao se referir ao câncer como seu vizinho, disse:

Se eu mantiver o terreno saudável, eu e minhas células cancerosas  continuaremos a viver como bons vizinhos por um tempo, talvez um    longo tempo”.

Relutei um pouco em registrar esta segunda parte do texto, porque achei que a primeira parte ficou muito extensa e isso pode ter contribuído para que a leitura ficasse cansativa. Preocupa-me um pouco o fato de que o teor do texto tenha despertado nos leitores um sentimento de dó ou piedade. Afirmo que este não é o objetivo das postagens, nem tampouco tenho a intenção de passar uma imagem de uma pessoa especial, dotada de mais equilíbrio que as outras ou coisa parecida. Porém, as manifestações de carinho que recebi por e-mail e pelo blog, me fizeram passar por cima das indagações e continuar com o relato, pois meu objetivo é levar alguma mensagem positiva aos outros.

Queridos, a experiência de ficar cara a cara com a morte nos traz a confirmação do quanto a vida é preciosa. Viver a rotina da vida longe dos problemas – principalmente os de saúde -, às vezes nos impede de ver a beleza de viver. Parece que não sobra tempo para se contemplar as coisas básicas, mas que são de suma importância. Não há tempo para sentirmos nossa pulsação e ouvirmos nossa respiração. Poucos valorizam o ar respirado. Esquecemo-nos da gratuidade do oxigênio que nos permite viver e da água que jorra com fartura no planeta - por enquanto. Muitos só se lembram disso no quarto de um hospital.

A desculpa é de que a vida é corrida! Ainda mais nesses tempos de revolução digital e de informação a jato. Ainda na infância, a agenda já está cheia: As crianças começam o dia com carga pesada em tarefas do colégio; logo após tem futebol, natação ou karatê. Almoçam rápido, pois não podem chegar atrasado ao colégio. Depois da aula têm dentista, aula de xadrez ou outra atividade. Alguns ainda fazem inglês, informática, coral, kumon, balé etc. Será que isto está certo? Será que nossas crianças precisam disso tudo? Na minha época e da maioria de vocês não, e nem por isso somos incapazes...

A vida desenfreada continua na fase adulta, com a pressão cada vez maior pelo sucesso e boa aparência.

A lição é esta: Não perca tempo com bobagens e com o que faz mal à saúde e/ou à alma, a vida é extremamente rica se soubermos escolher nossos caminhos, buscando emoções saudáveis. Importante trabalhar no que nos dê prazer. Trabalhar insatisfeito provoca doenças. Não esqueçamos dos sonhos que tínhamos a realizar e foram deixados para trás.

O corre-corre da vida nos força a adotar um sistema de praticidade com as tarefas e responsabilidades do cotidiano. Em nome dessa praticidade nos deixamos levar pelas armadilhas da acomodação. Este tipo de vida quase sempre vem acompanhado de vícios e sedentarismo. Sugiro que façamos uma pausa para meditarmos sobre a vida, sobre os verdadeiros valores, sobre o que realmente é importante e prioritário para nossa existência e o que precisamos para sermos felizes com consciência.

Como disse no início do texto, não permita que uma doença qualquer se instale em você para começar a valorizar as coisas vitais. Invista mais nas pequenas coisas do dia a dia. Importante respeitar os outros, principalmente os mais humildes. Seguir um credo é fortalecedor, mas é necessário respeitar a religião dos outros.

Por incrível que pareça, aprendi muito sobre a essência de ser cristão com um amigo ateu, cuja vida é pautada por exemplos de cidadania, fraternidade e ética. Infelizmente, pessoas assim não encontro com facilidade nem dentro da minha própria igreja.

Antes eu defendia a idéia que o ser humano nasceu para brilhar, que devíamos buscar a felicidade a todo custo. O sofrimento me mostrou outro caminho. As horas de solidão impostas pela doença me fizeram ver que a busca da felicidade não pode se dar a qualquer custo. Quando buscamos a felicidade em primeiro lugar, ou o prazer imediato, a única coisa que conseguimos enxergar é nosso próprio umbigo. Precisamos cuidar para não passar por cima dos outros, ou de suas necessidades. Para alcançarmos nossos ideais, corremos o risco de magoar as pessoas, principalmente os mais próximos. Portanto, tenhamos cautela na busca da felicidade.

Se a doença insistir em se instalar, então não adianta se desesperar. Se o desespero e angústia vierem, chore, mas depois erga a cabeça e enfrente a situação. Algumas pessoas sentem vergonha de estarem doentes, achando que isso a diminuiria perante os outros. Não entendo que esta seja a atitude correta. Dividir as experiências, com humildade, pode nos ajudar a viver melhor e talvez até ajudar outras pessoas.

Costumamos achar que nosso problema é sempre maior que o dos outros. Mas no cotidiano dos hospitais é que vemos quantas pessoas sofrem mais do que nós. Crianças, jovens que teriam uma vida pela frente, sem praticamente qualquer expectativa de realizar seus sonhos, com dores insuportáveis, buscando tratamentos que causam mais sofrimento que a própria doença; mães acompanhando o calvário dos filhos, sem nada poder fazer.

Enfim, o que tenho feito é viver um dia de cada vez. Em geral, o dia seguinte é pior que o anterior para quem tem este tipo de doença. Mas, se ela me dá uma trégua, nem que seja pequena, aproveito cada momento. Estou estudando (na Federal), fazendo um curso à distância, de Administração Pública. Brinco dizendo que talvez ele possa me ser útil para ajudar a administrar “ o céu.”

Tento fazer do câncer “um bom vizinho.” Como disse a Elzi, entre uma trombose e outra – e essa última foi forte-, uma internação e outra, escrevo, leio, rezo, trabalho quando consigo, planto árvores... Uso a tecnologia para me manter ligado. Tento rir da situação (que às vezes é engraçada mesmo...) choro quando fica muito difícil. Aproveito a presença de meus filhos e agradeço a Deus por eu, e não um deles, estar doente.

Quero ser lembrado como uma pessoa feliz, não como uma pessoa doente. E tento me preparar para o que todos nós (e você também, leitor) teremos que viver um dia: a partida para um lugar ou estágio melhor - ou pior, dependendo de como levarmos nossa vida.

Espero que tenha conseguido me fazer entender quando comecei o outro relato me referindo ao câncer que me assola como “bendito”. Foi desta maneira, foi da forma mais brutal que entendi os verdadeiros valores e o sentido da vida. Apesar de católico, esforcei-me para não dar uma conotação religiosa ao texto, por isso não vou entrar aqui na questão da salvação espiritual que este tema reflete. Este assunto merece um post dedicado somente a isso.

Mais uma vez eu digo que hoje minha felicidade é mais autêntica que a de antes. Valorizo mais a vida, minha família e meus amigos.

Obrigado, meu Deus, por minha vida. Obrigado por ela ser exatamente como ela é, porque foi desta forma que consegui entender Sua mensagem e me sentir mais próximo do eterno.

Muito obrigado, de coração, a todos que me mandaram mensagens positivas, que oram por mim, independentemente de religião, e que me apóiam nessa caminhada.

Finalizo esta postagem com a música "Epitáfio". Maravilhosa composição de Sérgio Britto, eternizada na interpretação dos "Titãs". Esta música é um convite para uma meditação a respeito do “corre- corre” da vida.




Abraços a todos.

Gilberto Lobato





Cine & Foto - Submarino.com.br